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A emergência do escândalo político como narrativa midiática preferencial

GRUPO 1 – Gustavo Teixeira, Josuá Barroso, Mafalda Veronez e Taynara Prado

Disponível em: http://www.fafich.ufmg.br/compolitica/anais2007/sc_ipp-pedro.pdf

Reflexão do grupo


O artigo escrito por Pedro Sangiardi teve como principal objetivo investigar o fenômeno de consolidação do escândalo como narrativa preferencial no espaço midiático reservado à política e, consequentemente, como um instrumento central nas estratégias eleitorais.
Ele aborda a construção da imagem pública política e o incremento de seu capital simbólico através de consultoria profissionalizada que ocupam um lugar de destaque no jogo escorregadio de arranjos, deslocamentos e composições altamente competitivo que caracteriza a política moderna.
Para a maioria do público, a cena política só existe nesse ambiente virtualizado, visitado e avaliado somente em período eleitoral. O cenário de maior competitividade da política é aquele que mais organicamente absorve a lógica desse âmbito representativo.
A natureza espetacular do aparato televisivo, por sua vez, favorece o enfoque do entretenimento no tratamento de assuntos políticos, o que se potencializa com a submissão de todas as dimensões da política à esfera eleitoral.
O autor acredita que a vinculação entre a gramática televisiva e a lógica eleitoral pode ser um ponto de partida para explicar o desenvolvimento de um consenso político que, dependente de resultados eleitorais periódicos, precisa legitimar seu poder com base na imposição da imagem pública de suas lideranças no campo de visibilidade midiática. Conjugando assim suas ações políticas reais com os efeitos estratégicos produzidos nessa ambiência virtual, na qual os escândalos se proliferam e se direcionam para o centro da arena política.
Basicamente, a primeira parte do artigo esboça em linhas gerais a telerrealidade midiática, que configura não só os discursos, como também os processos e práticas sociais simultaneamente modelados a partir deles e legitimadores dos mesmos.
Já na segunda parte, o autor examina a hipótese de a gramática televisiva possuir características estéticas tecnicamente facilitadoras da adaptação dos princípios e regras do jogo eleitoral. Estando alertados às adequações da política ao modelo comunicacional da mídia corporativa, reforçando sua porção de competitividade eleitoral como o ponto de melhor encaixe com modelo midiático.
A terceira parte, por sua vez, procura articular a potencialização da faceta eleitoral da política operada pela lógica midiática, ao efeito que parece pairar sobre a política como uma virtualidade eleitoral. O objetivo é com base na confluência entre o acesso da televisão a praticamente todo o eleitorado e a submissão das demais subseções da política à dimensão eleitoral, elaborar possíveis explicações para a preocupante frequência das irrupções do escândalo político numa ambientação que fornece todas as condições para a sua pujante fertilidade e proliferação.

Imagem pública política e visibilidade midiática

A prática política em nível partidário e institucional acelera um movimento radical em direção ao que se chama de realpolitik, entendida como uma política de eficácia, dotada de certo afrouxamento na observação a princípios doutrinários, considerados frequentemente como resíduos ideológicos incapazes de operar sobre a complexidade de processos e dispositivos inseparáveis da prática política moderna.
Ela ocupa uma função reguladora no interior de uma mecânica social caracterizada pela competitividade do capital e obrigatoriamente dependente de resultados eleitorais periódicos. Com isto, a prática política vai desvinculando-se dos grandes fins programáticos e orientando-se pela lógica do jogo, numa pragmática similar àquela que rege a lei do mercado e dos negócios.
Quando se trata de pessoas, o espaço discursivo que em gerações anteriores era destinado à política, nos dias atuais parece preenchido por modalidades estéticas de afirmação social. O universo cognitivo coletivo está cada vez mais distanciado de ideais em torno de um projeto de reestruturação social, e moldado sob a segmentação mercadológica em torno dos estilos e liberdades individuais; as formas tradicionais de participação política vão sendo progressivamente dessubstancializadas e restringidas às instâncias profissionalizadas do poder político.
Sendo o campo de visibilidade midiática praticamente a única parte da política a que tem acesso o eleitorado, o autor mostra que parece claro o grau de importância que esse ambiente terá na vida social e política. É um universo virtual com vida e leis próprias de funcionamento, composto da imprensa, da propaganda e das demais representações midiáticas da política, a partir do qual são construídas as imagens públicas, numa sociedade regida pela midiatização e pela tendência à virtualização ou telerrealização das relações humanas.
O autor ressalta ainda que a capacidade de certos políticos em ganhar vantagens eleitorais em cima de suas imagens públicas parece ser cada vez mais criativa, principalmente quando suas imagens são negativas. Um exemplo: o prefeito César Maia se aproveitou até da sua fama de “maluquinho” para obter expressivas vitórias eleitorais na cidade do Rio de Janeiro; o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, reverteu a seu favor a imagem de “sem graça”, transformando o apelido de “picolé de chuchu” numa espécie de marca bem-humorada
Apesar da incontestável necessidade de construção das imagens públicas políticas na telerrealidade, o redimensionamento da política nesse ambiente é complexo, demandando concessões e adequações às especificidades da midiatização contemporânea.

A inscrição da política na telerrealidade

As formas midiatizadas de comunicação operam sensorialmente na requalificação das sociabilidades, através da virtualidade imaginária compartilhada, nos seus arranjos de correspondência com um sensível organizado nos termos de uma tecnologia dos afetos calcada em modalidades estéticas.
É pela comunidade estética que a política, na sua tradução tecnológica por suporte midiatizado, participa do imaginário sociodiscursivo daqueles que lhe viram as costas e optam pela criação lúdica de seus espaços de afirmação.
A linguagem midiática possui características que enfraquecem modos argumentativos racionais, ao passo que fortalecem uma gramática ligada ao sensorial e ao imagético, estruturada sobre uma série de dispositivos de regulação, como dramaticidade, velocidade, entretenimento, emocionalismo e espetáculo, dentre outros.
A telerrealidade é um espaço dotado de grande velocidade na circulação imagética, onde grupos empresariais e políticos disputam a atenção de um telespectador impaciente, disperso e com acesso a uma multiplicidade de produtos culturais. O entretenimento e a simplificação de conteúdos fazem parte do conjunto de estratégias operado pelas linguagens midiáticas para expandirem seu alcance.
O ritmo acelerado e espetacular da mídia combina com determinadas dinâmicas sociais e demonstra inaptidão na apreensão de outras.
A face eleitoral da política organicamente se molda às especificidades da lógica midiática: na fusão do público ao privado, com assuntos de Estado tratados da mesma maneira que problemas domésticos; no ritmo acelerado e fragmentado anulante de um perspectivismo histórico; na redução de toda a complexidade intrínseca à política a disputas entre personalidades e estatísticas de institutos de sondagem; nas formatações ficcionais das quais a política se reveste para conquistar afetivamente a audiência.
O cenário configurado pela convergência de estruturas pode fornecer chaves para explicar um estado ininterrupto de tensão em torno de consenso, que não mais fica restrito ao período eleitoral, e vai se estabelecendo como uma campanha permanente, ou uma “virtualidade eleitoral constante a assombrar a esfera política”.

Virtualidade eleitoral e a endemia do escândalo na cultura política

Apesar das eleições serem o passaporte às posições de poder, elas não asseguram permanentemente as condições de governabilidade.
Segundo o texto, uma constante preocupação com a gestão da imagem pública dos participantes do processo político se faz essencial no quadro contemporâneo, pois qualquer decisão política será tomada com base na avaliação dos efeitos que causará no campo político efetivo, e também baseada na avaliação dos efeitos no espaço virtualizado que traduzirá ao eleitorado o significado político decorrente de tal decisão.
O artigo alega ainda que o eleitorado tem no espelho da mídia praticamente o único interlocutor com a política. Nesse âmbito de representação marcado pela diversidade de formatos narrativos, ganham relevância os que produzem efeitos sensoriais diretos na audiência, principalmente se contiverem pitadas romanescas ou policialescas em sua trama.
De acordo com Thompson, há uma afinidade entre os escândalos políticos e as democracias liberais, própria das condições do poder político nesse tipo de ordenamento social, em que forças competitivas são mobilizadas através de partidos e outros grupos de interesse, criando uma atmosfera tensa onde a confrontação é a norma.
Ele explica que num estado totalitário não existem brechas para a exploração desse tipo de acontecimento, e aqueles que procuram divulgar um escândalo podem ser punidos com prisão ou até morte. Já na dinâmica de uma democracia liberal, em que a disputa política se define pelo jogo eleitoral, calcada em imagens e discursos, uma imagem pública favorável é essencial, como procuramos ressaltar: qualquer mancha na reputação de uma liderança pode ser vista como um ganho eleitoral por seus adversários políticos.
Assim, o autor esclarece que com os discursos e práticas políticas girando em torno do mesmo eixo, o capital, os pontos de enfrentamento entre os partidos e grupos que disputam o poder estarão localizados no ataque às reputações e na exposição negativa decorrente de escândalos, já que do ponto de vista operacional, as forças políticas têm funcionado de maneira similar, na busca de conexões entre os detentores do capital para o financiamento cada vez mais dispendioso de suas campanhas, e abrindo os caminhos institucionais para que os recursos públicos retornem (num volume que recompense o investimento) como licitações ou em qualquer outra forma de negócio que represente favorecimento aos financiadores.
Nesse contexto, as narrativas escandalosas surgem como modo de diferenciar grupos que mantêm práticas similares, se revezando no controle político de acordo com o escândalo em destaque nos holofotes da mídia, cujo poder de iluminar (ou esconder nas sombras) determinará o bode expiatório da vez. Faz parte da cultura política brasileira a hipocrisia do contraste entre a manutenção de um pragmatismo político restrito às zonas cinzentas de trás das cortinas, e a humilhação pública daquele que vacilar e deixar seus delitos escaparem ao palco, mesmo que em nada difiram dos delitos dos demais. Também é parte da cultura política brasileira fazer agonizar na fogueira da opinião pública aquele que deixa transparecer os métodos que prevalecem nos gabinetes e zonas de acesso restrito. Exemplo: o processo desencadeado pelo escândalo que resultou na saída de Renan Calheiros da Presidência do Senado.

Considerações finais

Pedro Sangirardi conclui o artigo alegando que a exposição ao escândalo é um risco inerente aos que transitam pelo espaço público.
Assim, as narrativas em torno da política ficam marcadas como focos de tensão entre as esferas da informação e do entretenimento, e não raro suprimem de seu campo de representação uma parte essencial da mecânica política. A simplificação pela via da personalização carismática dos líderes, associada ao crescimento da política de confiança, é danosa justamente porque também personifica o dano, atribuindo-o a uma pessoa e não a uma prática institucionalizada.
A sociedade deixa de fazer o debate público sobre a disseminação da corrupção para concentrar esforços na execração daquele que é “flagrado em atos ilegais” e paga não propriamente pelos atos, mas por ter sido flagrado. O dano de uma cultura política que valoriza a esperteza e a dissimulação recai sobre aquele que não passa de um sintoma de um problema bem mais arraigado, instaurando a estrutura invariante do circuito de ascensão e queda dos homens públicos: uma ascensão quase mitificada, construída através dos mecanismos simbólicos e estéticos pelos quais a linguagem da comunicação de massa tentará transformar as rugas de todo um passado de práticas políticas arcaicas num modelo de modernidade e eficiência administrativa; e uma queda escandalosa que sempre estará contribuindo para o aumento do negativismo e da indiferença que caracterizam a alardeada “crise da política”.
Basicamente, o texto argumenta que o ciclo de escândalos gera cansaço, cessando de despertar indignação ou mesmo interesse. As doses de emoção envolvidas nos escândalos precisam ser cada vez mais intensas, produzindo no público uma perigosa indiferença, acostumando à sua produção, até que os escândalos apareçam com frequência prevista, perdendo gradualmente seu valor de notícia e sua capacidade de gerar reações. Exemplo: em 2006, apesar da aparentemente interminável sequência de escândalos que atingiu o seu governo, o presidente Lula conseguiu reeleger-se de maneira relativamente tranquila.
A resistência em encarar a tradução midiática da política como um domínio separado das demais categorias discursivas, submetendo-a ao mesmo registro das construções simplificadas dos universos ficcionais, é uma das chaves para entender o desencantamento, a frustração e o desinteresse, cujas incidências sobre a política parecem ser ilimitadas, desgastando-a e afastando-a cada vez mais do horizonte cotidiano dos cidadãos.

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