Todos os pontos abordados em sala de aula, sobre jornalísmo cientifico se encontram neste artigo.
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Jornalistas e cientistas: uma relação de parceria
Graça Caldas*
A relação entre Ciência, Mídia e Sociedade passa, necessariamente, pela cidadania. A democratização do conhecimento é um pressuposto básico do exercício pleno deste direito constitucional. Neste final de século e virada de milênio, o acelerado desenvolvimento científico e tecnológico e seu impacto social é inquestionável. Como fazer, no entanto, para que C&T e qualidade de vida caminhem juntos? Como enfrentar o desafio de um desenvolvimento sustentável?
Em primeiro lugar, é essencial que a opinião pública compreenda os processos e os mecanismos da produção da ciência. Para isso a mídia exerce um papel insubstituível. É através dela, de seus múltiplos canais, que a população é informada sobre o que se passa nos laboratórios de pesquisa ou nos gabinetes dos dirigentes de cada país. O crescente interesse do cidadão comum pela ciência e a ampliação do espaço nos meios de comunicação a assuntos desta natureza, não é, porém, acompanhado por uma reflexão crítica da produção científica e tecnológica do país.
"Apesar da ênfase dada ao ambientalismo na mídia, a questão ainda é incipiente para a grande maioria dos profissionais de comunicação e mais ainda para o grande público. O meio ambiente já foi apontado como uma das principais mega-tendências para essa década e a virada do século. O tema passará a integrar cada vez mais o cotidiano da humanidade e os formadores de opinião, que atuando como agentes de informação e até de educação devem tomar consciência da grande responsabilidade sobre seus ombros" (Viá, 1993).
Normalmente, as reportagens veiculadas nos meios de comunicação limitam-se a relatar o produto acabado da ciência ou da tecnologia. A ciência fascina. Fascina a opinião pública e também fascina seus divulgadores. Fascina a tal ponto que o senso crítico do jornalista fica muitas vezes embotado pelas maravilhas das últimas descobertas do mundo científico. Não raras são as vezes em que os pesquisadores reclamam de distorções na divulgação da ciência, o que é compreensível. É grande a preocupação dos cientistas com a opinião de seus pares, diria até que bem maior do que com a opinião pública, que em última instância está pagando a pesquisa que produz.
Por outro lado, a discussão sobre a política científica, que mobiliza os pesquisadores em suas reuniões de trabalho, praticamente não aparece na mídia. Como são estabelecidas as prioridades para os financiamentos das pesquisas? As alocações de recursos estão vinculadas aos interesses sociais? Que áreas são determinantes para reduzir o gap tecnológico que afasta o Brasil dos países desenvolvidos? Em tempos de globalização, de abertura de mercado e de competição desenfreada, qual o papel que a Ciência e a Tecnologia ocupa?
Esses temas raramente estão presentes nas matérias científicas divulgadas na imprensa. As poucas reflexões ficam por conta de alguns pesquisadores que, via de regra, direcionam seus discursos para questões como recursos ou bolsas de estudo. Mais recentemente, a discussão tem girado sobre a necessidade de ampliar a divulgação da ciência, seja através da mídia, de museus ou de centros de ciências como a bem sucedida Estação Ciência da Universidade de São Paulo. Nunca se falou tanto em divulgação científica.
A disseminação do conhecimento científico parece, finalmente, ter se tornando uma bandeira dos próprios cientistas. Como disse Ernst W. Hamburger, em seu artigo "A importância dos centros de ciências", publicado na Folha de S. Paulo (16/10/97), Editoria de Opinião, p.3, "o que se sente é que existe uma verdadeira fome pelo conhecimento. Dada a oportunidade, o povo, seja universitário, seja morador de rua, quer compreender melhor o mundo".
Paralelamente à conscientização dos pesquisadores e dos dirigentes da área de C&T sobre a relevância da divulgação, verifica-se uma invasão maciça da pseudociência -- assuntos místicos e esotéricos --, na mídia mundial e na brasileira, em particular. Este fenômeno, que certamente vende jornais, está preocupando cientistas do mundo inteiro. Por que isto ocorre? Talvez porque, durante muito tempo os cientistas acharam que seus papers deveriam ser divulgados apenas nas revistas científicas. Trata-se, agora, de uma corrida contra o tempo para tentar reverter esta situação, que faz com que o povo termine sendo "educado" com mais informações da pseudociência do que sobre a própria ciência.
O interesse genuíno da opinião pública pela ciência já foi constatado no Brasil desde 1987 com a pesquisa do Instituto Gallup. Num universo de 2.892 pessoas entrevistadas, 70% mostraram interesse por C&T. Disseram que as informações veiculadas na mídia eram insuficientes e defenderam a ampliação dos investimentos em ciência do Produto Interno Bruto (PIB), para 5%, bem mais do que os países desenvolvidos, que aplicam cerca de 2 a 3%. Ainda hoje, uma década depois, esses recursos ainda representam 0,8% do PIB. O Ministro da C&T, Israel Vargas vem anunciando que até o final do governo de Fernando Henrique Cardoso essas verbas serão praticamente duplicadas, passando a 1,5% do PIB.
Dentro deste cenário, o fato é que a mídia vem fazendo a sua parte. Nos jornais, nas revistas, nas emissoras de rádio ou de televisão surgem freqüentemente novos espaços para a divulgação dos avanços da ciência e da tecnologia. O que ocorre é que esses espaços não são ocupados de uma forma crítica e analítica. Limitam-se, apenas, a reproduzir o produto, sem sequer mostrar seu processo com os erros e acertos que fazem parte de qualquer pesquisa. Este comportamento termina por produzir uma visão mítica da ciência. É na TV Cultura, com o programa "Brasil Pensa", criado em 1994, que encontramos uma reflexão sobre os caminhos e perspectivas da ciência e da tecnologia.
Apesar dos avanços tecnológicos e científicos alcançados neste final de século e das novas descobertas que estão se delineando nos mais diferentes campos, o homem continua conhecendo quase nada de si mesmo, do mundo em que vive e dos efeitos dessas conquistas nas mais diversas áreas para a sua vida cotidiana. Não tem controle algum das mudanças que se sucedem, porque não as entende. Não participa e nem fica informado sequer do percurso da produção da ciência. Não tendo consciência dessas transformações, não pode participar, influenciar as políticas científicas. Fica, portanto, sofrendo seus efeitos, sem sequer saber de onde eles vêm.
Dubos (1972) já mostrava a importância do jornalismo científico ao afirmar que "já é chegado o tempo, quando devemos produzir, ao lado dos especialistas, outra classe de estudiosos e de cidadãos que tenham ampla familiaridade com os fatos, os métodos e os objetivos da ciência e, assim, sejam capazes de fazer julgamentos a respeito das Políticas Científicas. As pessoas que trabalham na interface entre Ciência e Sociedade tornam-se essenciais, simplesmente porque quase tudo o que acontece na sociedade é influenciado pela ciência".
Em última instância, o conhecimento científico deve transformar-se em senso comum, em auto-conhecimento. "O conhecimento vulgar e prático com que no cotidiano orientamos nossas ações e damos sentido à nossa vida. A ciência moderna construiu-se contra o senso comum, que considerou superficial, ilusório e falso. A ciência pós-moderna procura reabilitar o senso comum para reconhecer nesta forma de conhecimento algumas virtualidades para enriquecer a nossa relação com o mundo" (Sousa Santos, 1987). Cabe à mídia, portanto, atuar como mediadora entre a ciência e a sociedade.
Mídia e Ciência - A ótica do jornalista na divulgação da ciência, quase nunca coincide com a do cientista. Por que isso acontece? Afinal, a curiosidade pelo conhecimento e a observação dos fatos fazem parte da rotina de trabalho de ambos. A diferença fica por conta do método e do tempo disponível para a investigação. Talvez os jornalistas e cientistas observem o mundo, a realidade, a informação, de forma diferente. Se por um lado o jornalista é movido pela atualidade dos fatos que imagina serem de interesse da opinião pública, o cientista persegue a explicação para esses mesmos fatos através de hipóteses que formula apoiado numa prática metodológica de pesquisa mais rigorosa, que lhe permita encontrar respostas e explicações para os fenômenos estudados.
Na verdade, apesar das polêmicas e dos conflitos na relação entre cientista e jornalista, que vêm se arrastando há pelo menos duas décadas, é inegável que o profissional da comunicação exerce um papel fundamental na interface entre ciência e sociedade. Como agente mediador entre esses dois pólos, sua responsabilidade é ímpar na disseminação do conhecimento científico e tecnológico. Entretanto, para evitar o sensacionalismo e as distorções na divulgação da informação, jornalistas e cientistas devem atuar em parceria, procurando cada um compreender o método e o processo de trabalho do outro: da produção científica e da produção da notícia. Só assim será possível uma colaboração mútua para uma divulgação competente da C&T.
Ao jornalista cabe entender que a ciência trabalha com um sistema de dados, hipóteses, teorias e técnicas e ao cientista, que o jornalista tem um prazo para fechamento da matéria que pode variar de horas a uma semana ou, no máximo um mês, quando se tratar de revista especializada. É preciso que jornalistas e cientistas percebam que o laboratório da sociedade é muito maior e mais complexo que o de uma instituição de pesquisa ou de uma redação de jornal.
Jornalistas X Cientistas - A divulgação competente da ciência passa, necessariamente, pelo formação do jornalista. É necessário compreender o papel da ciência, seu potencial e limites, bem como ter claro que a produção da C&T depende, necessariamente, de sua relação com o Estado e a sociedade.
Partindo deste pressuposto, como deve atuar um jornalista científico? Sua linguagem, embora dirigida ao leigo, deve ser acompanhada de um rigor científico na precisão da informação. A decodificação dos jargões técnicos a partir do ponto de vista do leitor é essencial para a elaboração adequada da informação a ser veiculada.
Na apuração, a diversidade das fontes deve ser um princípio básico. Não se trata apenas de ouvir o outro lado como mandam os manuais de redação. Em se tratando de assunto científico, todo cuidado é pouco para evitar um erro ou até mesmo ser instrumentalizado pelo cientista. Na elaboração do texto, é necessário contextualizar os fatos observados em toda a sua dimensão política e histórica. Na divulgação da ciência e da tecnologia, a informação meramente factual é um desserviço à opinião pública. O jornalista não pode esquecer-se de seu papel educativo.
E o cientista? Quais seriam os princípios básicos que devem nortear seu comportamento na relação com o jornalista? Em primeiro lugar, deve ter claro que a democratização do conhecimento científico depende de sua colaboração. É de sua responsabilidade divulgar a ciência que produz. Nunca é demais lembrar que cabe ao Estado, através dos impostos públicos, que impõe ao cidadão, o financiamento da pesquisa.
Procurar compreender o imediatismo dos meios de comunicação e colaborar com o jornalista na divulgação de sua pesquisa é tarefa do pesquisador. Deve também, sempre que possível, fornecer material impresso em linguagem acessível, para fundamentar melhor o trabalho do jornalista. Procedendo desta forma, estará correspondendo ao interesse popular pela ciência e ajudando a reduzir as "confusões" criadas pela pseudociência. A responsabilidade da divulgação deve ser compartilhada entre cientistas e jornalistas.
Imprensa e Meio Ambiente - Na sociedade de espetáculo, onde a informação é uma mercadoria como outra qualquer, a indústria cultural banalizou o papel da imprensa, que parece esquecer-se de sua responsabilidade social na formação da opinião pública para transformar-se em mais uma empresa em busca do lucro. Dentro deste cenário pouco animador, a questão ambiental assume uma proporção especial. Isto porque, como lembram René Dubos e Barbara Ward, em livro publicado em 1972 nos Estados Unidos, "Only one Earth", o planeta Terra é um só e não podemos deixar de lutar por sua preservação, sob o risco do desaparecimento de toda a Humanidade.
Os limites do crescimento econômico e demográfico foram apontados nos relatórios do Clube de Roma, publicados em 1974. O objetivo era chamar a atenção mundial para os problemas ambientais face à industrialização desenfreada. No Brasil, a ECO-92 realizada em julho, no Rio de Janeiro, parece ter acordado os dirigentes e políticos para as questões ambientais, principalmente o desflorestamento, poluição atmosférica, recursos hídricos e a necessidade de preservação da biodiversidade.
Como a aplicação dos três acordos principais gerados na ECO-92, a Declaração do Rio, a do Clima, a Agenda-21 e a Convenção sobre Biodiversidade, depende fundamentalmente de decisão política e de recursos, a política ambiental não pode andar dissociada da economia ambiental. Neste sentido, apesar da existência de fontes internacionais de financiamento para as pesquisas ambientais no Brasil, o papel do Congresso Nacional não pode ser esquecido. Em junho deste ano foi criada uma Frente Parlamentar em Defesa do Sistema Nacional de C&T. A iniciativa deve contar com a colaboração dos cientistas em geral e dos pesquisadores da área ambiental em particular, para que ciência e tecnologia sejam encaradas como ferramentas do desenvolvimento do país, um desenvolvimento sustentável, que não permita o esgotamento dos recursos naturais.
Uma das peças chaves para a conscientização social da necessidade na preservação do Meio Ambiente é a Educação Ambiental. Sua importância já foi reconhecida pelos autoridades educacionais que implantaram disciplina com o mesmo nome nos currículos escolares. A Educação Ambiental virou até mesmo peça de marketing de empresas aflitas por melhorar sua imagem junto à opinião pública. É preciso, porém, tomar cuidado com esses modismos e verificar até que ponto a retórica transforma-se em ações concretas.
O exercício da cidadania ambiental só pode ser efetivado aqui em Campo Grande, no Pantanal, no resto do Brasil, se houver uma ação conjunta de cientistas e jornalistas atuando em sintonia com a sociedade brasileira. Os ecossistemas que formam o Pantanal, assim como os demais ecossistemas brasileiros devem ser amplamente divulgados. O conhecimento da importância da manutenção da diversidade florística (vegetação ) e faunística do Pantanal precisa ser disseminado para a sociedade em geral através da mídia. Sua divulgação não pode, no entanto, prescindir de explicações claras e convincentes.
As estratégias de divulgação não devem, porém, se limitar à mídia convencional. As formas alternativas de comunicação existentes nas universidades, instituições de pesquisa, escolas, museus, entidades sindicais e civis, associações de bairros, todas elas precisam fazem parte desta cadeia de informação pela preservação ambiental. Afinal, a Terra é uma só e de todos nós.
Graça Caldas é Jornalista, professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UMESP, pesquisadora-associada do Labjor-Unicamp, Coordenadora do Curso de Jornalismo e Diretora da Faculdade de Jornalismo e Relações Públicas da UMESP e Diretora Acadêmica da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC)
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